Guia de Nutrição Essencial para Oncologistas

Guia de Nutrição para Oncologistas

O cuidado nutricional em pacientes oncológicos é um aspecto crucial do tratamento, que demanda uma abordagem multidisciplinar. Recentemente, instituições de referência em oncologia no Brasil, como a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e a Escola Brasileira de Oncologia (EBO), uniram esforços para criar um guia que sirva como uma referência prática e objetiva para médicos oncologistas no que diz respeito ao papel da nutrição no tratamento do câncer.

Avaliação Inicial do Paciente

A primeira etapa no manejo nutricional de pacientes com câncer é a realização de uma avaliação inicial. Essa avaliação é essencial e deve ser feita para todos os pacientes, seja em ambiente ambulatorial ou durante internações. O objetivo principal é orientar a intervenção nutricional apropriada e justificar a necessidade de acompanhamento nutricional contínuo.

A avaliação começa com a triagem nutricional, que é um processo simples, rápido e de baixo custo. Ela pode ser realizada por qualquer profissional de saúde e tem como alvo todos os pacientes. Os principais objetivos incluem identificar pacientes que já apresentam desnutrição ou estão em risco, além de determinar a necessidade de uma avaliação nutricional mais detalhada. Os fatores analisados incluem:

  • Índice de Massa Corporal (IMC);
  • Perda de peso involuntária;
  • Alterações na ingestão alimentar;
  • Estado geral de saúde.

A triagem deve ser realizada no momento do diagnóstico ou entre 24 a 48 horas após a hospitalização e deve ser repetida ao longo do tratamento, podendo ser semanal, quinzenal ou mensal. Existem ferramentas validadas que facilitam essa triagem, como NRS-2002, MUST e versões reduzidas da ASG-PPP. Novas ferramentas específicas para oncologia, como NUTRISCORE e CNS, estão em processo de validação.

Quando a triagem revela risco nutricional, deve-se avançar para uma avaliação nutricional completa, que deve ser realizada por um nutricionista. Esta avaliação deve incluir a análise de variáveis da triagem, sintomas gastrointestinais, exame físico, funcionalidade, composição corporal e marcadores bioquímicos, como a Proteína C Reativa (PCR).

Terapia Nutricional Oral

Sempre que possível, a nutrição deve ser administrada pela via oral, pois essa é a forma mais fisiológica e respeita a rotina do paciente. A terapia nutricional oral (TNO) é fundamentada em aconselhamento dietético, complementado pelo uso de suplementos nutricionais quando necessário. Os suplementos podem ser encontrados em diversas formas, incluindo líquidos prontos, pós para reconstituição, fórmulas padrão ou específicas para condições clínicas particulares. Eles são particularmente indicados para pacientes com ingestão alimentar reduzida, desnutrição, sarcopenia, caquexia ou câncer de alto risco nutricional.

Recomendações de Energia e Proteínas

A oferta energética recomendada varia conforme o estado nutricional do paciente:

  • 25–30 kcal/kg/dia para pacientes bem nutridos;
  • 30–38 kcal/kg/dia para pacientes desnutridos ou idosos.

A ingestão de proteínas deve ser ajustada para cerca de 1,2 g/kg/dia, podendo variar entre 1,0 a 1,5 g/kg/dia, e até 2,0 g/kg/dia em casos de sarcopenia ou inflamação. A distribuição das proteínas ao longo do dia é fundamental, com recomendações de 20 a 30 g por refeição para favorecer o anabolismo. Estudos indicam que aminoácidos de cadeia ramificada, especialmente a leucina, e o HMB podem ter um efeito positivo no metabolismo muscular, embora a suplementação de glutamina não seja recomendada rotineiramente.

Ômega-3

Os ácidos graxos ômega-3 desempenham um papel importante na modulação da inflamação, podendo melhorar a ingestão alimentar, auxiliar no ganho de peso e ajudar na preservação da massa muscular. As recomendações variam entre 2–4 g/dia de EPA e DHA, sendo que para pacientes com câncer avançado, recomenda-se pelo menos 2 g/dia de EPA por um período de oito semanas.

Nutrição Enteral e Parenteral no Paciente Oncológico

Nutrição Enteral

A nutrição enteral é indicada quando o paciente não consegue ingerir mais de 50% de suas necessidades nutricionais pela via oral por mais de uma semana, ou 50–75% por mais de duas semanas. Sempre que possível, a nutrição enteral deve ser priorizada em relação à parenteral, pois apresenta menor risco de complicações. O início deve ser gradual, com ajustes em até 72–96 horas e monitoramento clínico e laboratorial. O desmame deve ser considerado quando a ingestão oral atinge mais de 70% das necessidades por três dias consecutivos.

Nutrição Parenteral

A nutrição parenteral deve ser reservada para situações em que o trato gastrointestinal não consegue garantir um aporte adequado, seja por disfunção orgânica, complicações do tratamento oncológico ou contraindicações à via enteral. As indicações incluem:

  • Quando a nutrição enteral não atinge 60% das necessidades ou 75% por cinco dias consecutivos em pacientes desnutridos;
  • Mucosite grave, diarreia intensa, vômitos intratáveis;
  • Íleo paralítico, fístulas de alto débito, síndrome do intestino curto e enterite grave pós-radioterapia;
  • Pré-operatório de pacientes desnutridos em cirurgia abdominal de grande porte.

A decisão sobre a nutrição parenteral em cuidados paliativos deve ser individualizada, considerando a expectativa de vida, a capacidade funcional do paciente e seus desejos, além do custo e das possíveis complicações.

Abordagens Dietéticas Alternativas no Câncer

Após o diagnóstico de câncer, muitos pacientes buscam mudar seu estilo de vida e frequentemente têm acesso a informações nutricionais de diversas fontes. Contudo, esse interesse pode resultar em contato com informações incorretas ou dietas da moda, que podem prejudicar o estado nutricional e o tratamento. Organizações como ASCO, BRASPEN, ESMO e ESPEN não recomendam dietas restritivas para pacientes com câncer devido à falta de evidências consistentes e ao risco de deficiências nutricionais. Apesar da popularidade, dietas alternativas como a cetogênica, restrição calórica, uso de probióticos e chás não têm suporte suficiente para serem recomendadas na oncologia, e muitas podem acarretar riscos nutricionais e interações medicamentosas. O papel do nutricionista e da equipe multiprofissional é fundamental para educar os pacientes, corrigir desinformações e promover estratégias alimentares seguras e baseadas em evidências.

Conteúdos Adicionais do Guia

Além dos tópicos abordados, o guia também inclui informações sobre:

  • Tratamento farmacológico da inapetência e caquexia;
  • Prescrição de vitaminas e minerais em oncologia;
  • Aspectos bioéticos, psicossociais e econômicos relacionados à nutrição;
  • Nutrição no final da vida.

A leitura completa do guia é altamente recomendada para profissionais que desejam aprofundar seus conhecimentos na área e melhorar a qualidade do cuidado nutricional oferecido aos pacientes oncológicos.

Referência: Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica; Escola Brasileira de Oncologia. Guia de nutrição para o oncologista. 2ª ed. Coord. Chaves ALF. São Paulo: SBOC; [2025].


Observação Importante: As informações aqui apresentadas não substituem a avaliação ou o acompanhamento profissional. Sempre consulte um médico ou especialista em saúde para orientações personalizadas.