Intoxicação por Metanol: Informações Cruciais para Médicos
A intoxicação por metanol é uma emergência médica significativa, resultante da exposição a esse solvente tóxico, que pode ocorrer por via digestiva, respiratória ou cutânea. O metanol é rapidamente absorvido pelo organismo, e sua metabolização no fígado gera compostos altamente tóxicos que podem levar a consequências fatais.
Contexto Epidemiológico
Recentemente, em um espaço de apenas 25 dias, foram registrados 9 casos de intoxicação por metanol em São Paulo, relacionados ao consumo de bebidas adulteradas. Dentre esses casos, 2 resultaram em óbito, conforme relatórios do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATOX) de Campinas. Essa incidência anômala destaca a necessidade de uma compreensão aprofundada sobre a intoxicação por metanol, especialmente para os profissionais de saúde que lidam com emergências.
Fisiopatologia da Intoxicação por Metanol
Após a ingestão, o metanol é metabolizado pela enzima álcool desidrogenase (ADH) no fígado, convertendo-se inicialmente em formaldeído e, posteriormente, em ácido fórmico. Este último é o principal responsável pela toxicidade associada à intoxicação. O ácido fórmico inibe a citocromo c oxidase, uma enzima crucial na cadeia respiratória mitocondrial, levando a uma condição conhecida como hipóxia histotóxica e acidose metabólica, que afeta diversos órgãos e sistemas do corpo.
Os tecidos mais afetados são o nervo óptico e a retina, resultando em sérios problemas oculares, incluindo risco de cegueira irreversível. A acidose metabólica severa pode comprometer o sistema nervoso central, o sistema cardiovascular e a função renal, aumentando o risco de morte.
Sintomas da Intoxicação
Os sintomas da intoxicação por metanol podem ter um período de latência que varia entre 6 a 30 horas após a exposição, o que pode atrasar o diagnóstico e a busca por tratamento. Inicialmente, o metanol pode causar sinais de embriaguez leve, que muitas vezes não são considerados graves.
À medida que o ácido fórmico se acumula, os sintomas se intensificam e podem incluir:
- Náuseas e vômitos
- Dor abdominal
- Cefaleia intensa
- Tontura
- Visão turva e fotofobia
- “Visão em neblina” ou “visão em neve”
- Escotomas
Em casos mais avançados, podem ocorrer confusão mental, letargia, ataxia, convulsões e até coma. A hiperventilação, conhecida como respiração de Kussmaul, pode ser observada em resposta à acidose metabólica. Em casos extremos, o paciente pode entrar em choque.
As complicações tardias incluem neuropatia óptica irreversível, sequelas neurológicas como parkinsonismo e encefalopatia tóxica, insuficiência renal e hepática, além de risco elevado de morte devido à acidose metabólica grave.
Tratamento da Intoxicação por Metanol
O tratamento da intoxicação por metanol é complexo e envolve várias abordagens:
- Medidas de suporte para estabilização do paciente;
- Correção da acidose metabólica;
- Diálise em casos graves;
- Inibição da ADH para prevenir a conversão do metanol em seus metabólitos tóxicos.
Os principais fármacos utilizados como antídotos são o fomepizol e o etanol.
Fomepizol
O fomepizol atua como um inibidor competitivo da ADH, impedindo a metabolização do metanol e, consequentemente, reduzindo a toxicidade sistêmica e ocular. A administração é feita por via intravenosa, com o seguinte esquema:
- Dose de ataque: 15 mg/kg IV diluído em 100 mL de solução salina a 0,9%, infundido em 30 minutos;
- Dose de manutenção: 10 mg/kg IV a cada 12 horas, até a quarta dose;
- Após a quarta dose: 15 mg/kg IV a cada 12 horas até que o metanol sérico seja indetectável ou inferior a 20 mg/dL e o paciente esteja assintomático com pH normal.
Durante hemodiálise, o fomepizol é removido, e é necessário repetir as doses a cada 4 horas durante a sessão.
Etanol
O etanol é uma alternativa ao fomepizol e compete com o metanol pela ADH, reduzindo a formação dos metabólitos tóxicos. O uso de etanol deve ser feito em ambiente de UTI, com monitoramento rigoroso. O esquema de administração inclui:
- Dose de ataque: 0,6 g/kg IV, infundido em 30 a 60 minutos;
- Dose de manutenção: 0,15 g/kg/h, ajustada conforme a concentração sérica, mantendo a alcoolemia entre 100 e 150 mg/dL.
Assim como o fomepizol, o etanol deve ser ajustado durante a hemodiálise, aumentando a taxa de infusão em até duas vezes devido à sua remoção pelo processo.
Além dos antídotos, o suporte intensivo é fundamental, incluindo a correção da acidose com bicarbonato e a hemodiálise precoce em casos severos. O uso de folinato ou ácido fólico (1 mg/kg EV a cada 6 horas) pode ser considerado para acelerar o metabolismo do ácido fórmico.
Referências Bibliográficas
- Kraut JA, Mullins ME. Toxic alcohols. N Engl J Med. 2018 Jan 18;378(3):270-280. doi:10.1056/NEJMra1615295.
- Sadeghi M, Fakhar M, Hoseininejad SM, Zakariaei Z, Sadeghi A. The clinico-epidemiological, diagnostic and therapeutic aspects of methanol poisoning: A five-year retrospective study, northern Iran. Drug Alcohol Depend. 2023 Dec 1;253:111024. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2023.111024. Epub 2023 Nov 11.
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