Cuidados Nutricionais em Pancreatite Aguda e Crônica: Novo Consenso da ESPEN
A pancreatite, tanto em sua forma aguda quanto crônica, demanda uma abordagem nutricional cuidadosa para prevenir a desnutrição e promover uma recuperação eficaz. Estas condições pancreáticas são bastante comuns e, apesar de geralmente serem consideradas benignas, estão ligadas a um risco elevado de desnutrição, o que pode necessitar de intervenções específicas na terapia nutricional.
Aspectos Gerais das Pancreatites
A pancreatite aguda (PA) é a condição gastrointestinal aguda mais prevalente que requer hospitalização, com uma taxa de recuperação favorável em aproximadamente 80% dos casos. Entretanto, até 20% dos pacientes podem desenvolver pancreatite necrosante aguda (PNA), que está associada a complicações como falência orgânica, necessidade de intervenções cirúrgicas e mortalidade. Devido ao caráter catabólico da doença, os pacientes com PA são considerados em risco nutricional moderado a alto. Isso se deve ao impacto negativo que um estado nutricional comprometido pode ter na gravidade e na evolução da doença.
Recomendações para Pancreatite Aguda Leve a Moderada
Para pacientes diagnosticados com pancreatite aguda leve a moderada, a triagem nutricional deve ser realizada utilizando métodos validados, como a NRS-2002. A introdução da nutrição oral deve ser considerada assim que clinicamente tolerada, independentemente dos níveis de lipase no sangue, priorizando uma dieta macia e com baixo teor de gordura. Caso o paciente não consiga se alimentar por via oral, a nutrição enteral é preferida à nutrição parenteral. Este tipo de nutrição deve ser iniciado precocemente, dentro de 24 a 72 horas após a admissão hospitalar, utilizando uma dieta polimérica padrão administrada por sonda nasogástrica. Em situações de intolerância digestiva, como dor e vômitos, recomenda-se o uso de sonda nasojejunal.
Recomendações para Pancreatite Aguda Grave
Nos casos de pancreatite aguda grave, a nutrição parenteral deve ser considerada para pacientes que não toleram a nutrição enteral ou que apresentem contraindicações. A suplementação de glutamina parenteral é recomendada na dose de 0,20 g/kg por dia. É importante ressaltar que a imunonutrição não é indicada na pancreatite aguda grave, e substâncias como probióticos e enzimas pancreáticas não devem ser utilizáveis, exceto em casos com evidência de insuficiência pancreática exócrina.
Pancreatite Crônica e Seus Cuidados Nutricionais
A pancreatite crônica (PC) é caracterizada por episódios inflamatórios recorrentes que resultam na substituição do tecido pancreático por tecido fibroso. Isso leva a uma perda significativa das funções exócrinas e endócrinas do pâncreas, aumentando o risco de desnutrição. Os principais fatores que contribuem para essa condição incluem a insuficiência pancreática, dor abdominal persistente, abuso de álcool, ingestão alimentar reduzida, diabetes e tabagismo.
A avaliação do estado nutricional em pacientes com PC deve ser abrangente, considerando sintomas, funções orgânicas, medidas antropométricas e valores bioquímicos, visto que o uso isolado do índice de massa corporal não é suficiente. Os pacientes devem passar por triagens de deficiências de macro e micronutrientes a cada 12 meses, com uma frequência maior em casos de doença severa.
Terapia de Reposição Enzimática
Quando a insuficiência pancreática exócrina é diagnosticada, a terapia de reposição enzimática deve ser iniciada. Essa avaliação deve incluir uma investigação rigorosa de sinais de má absorção. As enzimas pancreáticas devem ser administradas com as refeições, com doses que variam de 20.000 a 50.000 unidades de lipase para as principais refeições e metade dessa dose para lanches. A eficácia da terapia deve ser monitorada através do alívio dos sintomas gastrointestinais e da melhoria nos parâmetros nutricionais.
Cuidado Nutricional na Pancreatite Crônica
Pacientes com pancreatite crônica não necessitam seguir uma dieta extremamente restritiva, mas devem evitar a ingestão excessiva de fibras e, em geral, não há necessidade de restrição de gordura, a menos que haja sintomas de esteatorreia não controlável. A monitoração de micronutrientes é crucial, especialmente para vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K), vitamina B12, ácido fólico, tiamina e minerais como magnésio, ferro, selênio e zinco. É importante considerar que esses pacientes possuem um risco aumentado de osteoporose, e intervenções preventivas devem ser implementadas, incluindo a ingestão adequada de cálcio e vitamina D.
Se a nutrição oral for insuficiente para atender às necessidades calóricas e proteicas, suplementos nutricionais orais são recomendados. Fórmulas semi-elementares com triglicerídeos de cadeia média podem ser utilizadas em casos de intolerância às fórmulas padrão.
Terapia Nutricional em Pancreatite Crônica
A nutrição enteral deve ser iniciada em pacientes com desnutrição que não respondem adequadamente ao suporte nutricional oral. A via nasojejunal é indicada para pacientes que apresentam dor, náuseas ou vômitos persistentes. Em casos que requerem nutrição enteral prolongada, a jejunostomia pode ser considerada. A nutrição parenteral é uma opção para pacientes com obstrução da saída gástrica ou aqueles que não toleram a nutrição enteral, sendo o acesso venoso central o preferido.
Essas diretrizes e recomendações fornecem um quadro abrangente para o manejo nutricional de pacientes com pancreatite aguda e crônica, essencial para melhorar o prognóstico e a qualidade de vida desses indivíduos.
Referência: Arvanitakis, M., Ockenga, J., Bezmarevic, M., Gianotti, L., Krznarić, Ž., Lobo, D. N., … & Bischoff, S. C. (2024). ESPEN practical guideline on clinical nutrition in acute and chronic pancreatitis. Clinical Nutrition, 43(2), 395-412.
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