Vasopressores e Inotrópicos à Beira-Leito: Escolhas Práticas, Acesso Venoso e Segurança
O uso de vasopressores e inotrópicos em situações críticas é fundamental para o manejo eficaz do choque e a manutenção da perfusão tecidual. Este artigo aborda como iniciar o uso desses agentes, estratégias de titulação, a importância da escolha do acesso venoso e considerações de segurança. Além disso, serão discutidas as complicações associadas e a vigilância necessária à beira-leito.
Quando Iniciar e Qual o Alvo
É indicado o uso de vasopressores quando a pressão arterial média (PAM) estiver abaixo de 60 mmHg ou quando houver uma queda superior a 30 mmHg na pressão arterial sistólica (PAS), acompanhada de sinais de hipoperfusão em órgãos-alvo, após ter realizado uma reposição volêmica adequada. A titulação da dose deve ser feita visando atingir a PAM e sinais de perfusão, como diurese, estado mental e tempo de enchimento capilar. Se necessário, um segundo agente pode ser adicionado para otimizar a resposta hemodinâmica.
Três Princípios que Evitam Armadilhas
Para uma abordagem segura e eficaz, é vital considerar três princípios fundamentais:
- Um fármaco, muitos receptores: Os efeitos combinados dos vasopressores podem levar a respostas paradoxais, como a bradicardia reflexa associada ao uso de norepinefrina.
- Curva dose-resposta: O receptor alvo pode variar com a dose administrada, exemplificado pelo uso da dopamina em doses baixas para efeitos renais versus doses altas que atuam mais como agonista alfa.
- Ação direta versus reflexa: O efeito hemodinâmico final resulta da soma das ações diretas e reflexas do agente utilizado.
Escolha Inicial por Etiologia do Choque
A escolha do vasopressor pode variar conforme a etiologia do choque:
- Séptico e Cardiogênico com Hipotensão: A norepinefrina deve ser a primeira escolha; a dopamina deve ser evitada de forma rotineira.
- Anafilaxia: A adrenalina é o agente preferido.
- Insuficiência de Bomba com PAM Preservada: Considerar a dobutamina quando houver hipoperfusão refratária, mesmo com norepinefrina.
Uso Periférico, Midline e Cateter Central
Iniciar o tratamento com norepinefrina por via periférica é considerado seguro, especialmente em serviços que utilizam protocolos de monitorização adequados. Estudos mostram que o extravasamento ocorre em menos de 4% dos casos. Algumas boas práticas incluem:
- Utilizar um acesso venoso periférico (PIV) em veia calibrosa, mantendo a infusão por até 72 horas, com taxas até cerca de 0,3 mcg/kg/min (≈20 mcg/min) de norepinefrina.
- Evitar o uso de vasopressina por via periférica devido à falta de um antídoto local.
- Considerar o uso de midline quando a duração do tratamento é prevista para ser maior; o cateter venoso central (CVC) deve ser utilizado para doses altas, múltiplas drogas ou quando a monitorização avançada é necessária.
O que Esperar de Cada Agente
Cada um dos agentes utilizados possui características e efeitos específicos:
- Norepinefrina: É potente em alfa-1 e moderada em beta-1, sendo a primeira escolha na maioria dos choques vasodilatadores.
- Fenilefrina: Agente alfa puro, pode ser usado em casos de taquiarritmias que limitam o uso de norepinefrina, mas deve ser reservado para cenários específicos.
- Adrenalina: Possui forte ação beta-1 e moderada alfa-1, sendo a primeira linha no tratamento da anafilaxia.
- Dopamina: Seu efeito é dependente da dose, e pode ser mais arrítmica que a norepinefrina, além de não ser recomendada para “dose renal”.
- Dobutamina: Um inotrópico com efeito vasodilatador, indicado em casos de choque cardiogênico com PAM adequada.
- Vasopressina: Usada como adjuvante no choque séptico, pode reduzir a necessidade de catecolaminas, mas altas doses estão associadas a isquemia.
- Milrinona: Um inotrópico não adrenérgico, útil em casos refratários, com hipotensão como limitação.
- Angiotensina II: Aumenta a PAM e pode reduzir a necessidade de catecolaminas, sem evidência clara de impacto na mortalidade.
Situações Especiais e Pontos de Cuidado
É importante estar atento a algumas situações que podem impactar a eficácia do tratamento:
- A acidose grave pode reduzir a resposta às catecolaminas e à vasopressina; é crucial corrigir as causas subjacentes e reavaliar a estratégia terapêutica.
- Fármacos administrados por via subcutânea, como heparina e insulina, podem ter biodisponibilidade reduzida durante o uso de vasopressores; a via intravenosa é preferível quando possível.
- Evitar metas hemodinâmicas supranormais, como índice cardíaco acima de 4–4,5 L/min/m², pois não melhoram os desfechos e podem até piorá-los.
Complicações a Vigiar
Complicações potenciais incluem hipoperfusão periférica, mesentérica e renal, arritmias, isquemia miocárdica, hiperglicemia e extravasamento local. Em caso de extravasamento de catecolaminas, a infiltração local com fentolamina ou a aplicação de nitroglicerina tópica pode ser uma alternativa.
Checklist Rápido à Beira-Leito
- Confirmar volume intravascular adequado e a causa do choque.
- Iniciar o agente de primeira linha conforme a etiologia, estabelecendo um alvo de perfusão.
- Preferir o início do tratamento por via periférica com protocolo, caso o CVC atrase o início.
- Reavaliar a cada mudança clínica, considerando a possibilidade de taquifilaxia.
- Adicionar um adjuvante, como a vasopressina, se a norepinefrina em alta dose não atingir o alvo desejado.
- Monitorar complicações e ajustar a estratégia conforme necessário.
O mais importante não é apenas determinar qual droga é a melhor, mas sim reconhecer a fisiologia predominante, iniciar o tratamento rapidamente, titular com base na perfusão e manter uma reavaliação dinâmica. Protocolos que possibilitem um início seguro por via periférica e o uso criterioso de adjuvantes são essenciais para o sucesso do tratamento.
Referências
Manaker S, Teja B. Use of vasopressors and inotropes. UpToDate. Revisão de literatura até outubro de 2025; última atualização em 9 de abril de 2025. Acesso em 3 nov 2025.
Nota de Responsabilidade:Os conteúdos apresentados no MedOnline têm caráter informativo e visam apoiar decisões estratégicas e operacionais no setor da saúde. Não substituem a análise clínica individualizada nem dispensam a consulta com profissionais habilitados. Para decisões médicas, terapêuticas ou de gestão, recomenda-se sempre o acompanhamento de especialistas qualificados e o respeito às normas vigentes.