Efeito U invertido da dopamina e gene COMT explicado

O Efeito “U Invertido” da Dopamina e o Gene da COMT

O córtex pré-frontal (CPF) desempenha um papel fundamental nas funções cognitivas e intelectuais, afetando aspectos como memória de trabalho, função executiva e bem-estar psicológico. Este segmento do cérebro é altamente sensível às variações neuroquímicas, especialmente às influências da dopamina (DA), noradrenalina (NA) e serotonina (5-HT). A dopamina, em particular, tem sido relacionada a processos decisórios, onde a sinalização ideal entre o CPF e regiões estriatais contribui para a estabilidade cognitiva e a flexibilidade em comportamentos orientados a objetivos.

A modulação da dopamina no CPF também afeta os níveis de agressão, controlando a iniciação, execução e conclusão de atos agressivos, além da capacidade competitiva. Tanto a hipoatividade quanto a hiperatividade dos neurotransmissores podem prejudicar o comportamento. A deficiência na dopamina resulta em um desempenho subótimo em diversas funções cognitivas, incluindo a memória de trabalho. A variabilidade individual nos níveis basais de dopamina pode ser atribuída a predisposições genéticas.

Os efeitos da dopamina na função do CPF seguem uma curva em forma de “U invertido”. Isso significa que tanto a baixa quanto a alta atividade dopaminérgica podem prejudicar a função cognitiva. A Figura 1 ilustra essa relação, onde níveis extremos de catecolaminas podem comprometer determinadas tarefas cognitivas, especialmente aquelas que exigem flexibilidade atencional.

Estudos sobre a Dopamina e Desempenho Cognitivo

Em estudos realizados com humanos, a administração de agonistas do receptor D2 da dopamina, como a bromocriptina, demonstrou melhorar a função cognitiva em indivíduos com baixa capacidade de memória, enquanto prejudicou aqueles com alta capacidade. Isso sugere que os efeitos de drogas dopaminérgicas sobre a função cognitiva podem ser previstos com base nas condições iniciais dos indivíduos.

Adicionalmente, os desafios psicológicos podem elevar os níveis de cortisol, o que, por sua vez, pode resultar em um aumento de dopamina. Embora o estresse possa ter efeitos negativos, uma quantidade moderada pode ser benéfica para o desempenho cognitivo. No entanto, estresse prolongado ou intenso, assim como o uso de substâncias, pode levar a uma mente inflexível ou desfocada. O comprometimento cognitivo resultante do estresse é frequentemente associado à superexposição dos receptores de dopamina no CPF.

A Catecol-O-Metiltransferase (COMT) e sua Influência

A catecol-O-metiltransferase (COMT) é uma enzima crucial no catabolismo das catecolaminas, incluindo a dopamina. O gene COMT é expresso no cérebro e regula a sinalização da dopamina no CPF. Variantes do gene COMT podem ser consideradas marcadores genéticos associados a condições como ansiedade, dor e reatividade ao estresse. Um polimorfismo funcional de nucleotídeo único (SNP) no gene COMT, conhecido como rs4680, resulta na troca de valina (Val) por metionina (Met) na posição 158 (Val158Met).

Esse polimorfismo está associado à diminuição da atividade da enzima COMT no CPF e na amígdala, aumentando o risco de transtornos como depressão maior de início precoce e transtornos de pânico em adolescentes e adultos. A atividade da COMT contribui com cerca de 60% do turnover dopaminérgico no CPF, em contraste com apenas 15% no estriado. A inibição da COMT foi associada a um aumento específico na liberação de dopamina no CPF, levando à hipótese de que o genótipo Val/Val corresponde a uma concentração dopaminérgica endógena reduzida.

Impacto do Genótipo na Performance Cognitiva

O status alélico da COMT também afeta a atividade funcional da dopamina no CPF. Portadores do alelo Met, que apresentam baixa atividade enzimática e, portanto, níveis elevados de dopamina, tendem a se sair melhor em tarefas cognitivas em condições neutras em comparação aos portadores do alelo Val, que possuem alta atividade e, consequentemente, níveis mais baixos de dopamina. Curiosamente, essa relação se inverte em situações de estresse, onde portadores do alelo Met podem apresentar dificuldades de desempenho em comparação aos portadores do alelo Val.

Esse fenômeno reflete a função em “U invertido” da dopamina, onde níveis inadequados, tanto baixos quanto altos, estão associados a um desempenho cognitivo deficiente. A exposição ao estresse parece favorecer o processamento emocional em genótipos Val/Val, em comparação com os portadores do alelo Met.

Conclusão

O funcionamento ótimo do córtex pré-frontal depende de um equilíbrio delicado nos níveis de dopamina, um neurotransmissor essencial para funções cognitivas como memória de trabalho, tomada de decisão e controle emocional. Evidências robustas demonstram que essa relação segue um padrão em forma de “U invertido”, onde tanto a deficiência quanto o excesso de dopamina podem resultar em prejuízos cognitivos. O polimorfismo funcional COMT Val158Met influencia diretamente a atividade da enzima que degrada a dopamina no CPF, afetando a concentração dopaminérgica basal.

Indivíduos com o alelo Met tendem a ter melhor desempenho sob condições neutras, enquanto aqueles com o alelo Val se saem melhor em situações estressantes. Essas diferenças genéticas ajudam a explicar por que intervenções farmacológicas, nutricionais e mudanças no estilo de vida podem ter efeitos distintos entre os indivíduos. Compreender o perfil genético pode auxiliar na previsão de respostas ao estresse, riscos de transtornos emocionais e potencial de desempenho cognitivo em diferentes contextos.

Referências

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Observação Importante: As informações aqui apresentadas não substituem a avaliação ou o acompanhamento profissional. Sempre consulte um médico ou especialista em saúde para orientações personalizadas.