Vasculites Sistêmicas


Maria Almerinda Vieira Fernandes Ribeiro Alves
Prof Dra Departamento de Clínica Médica FCM UNICAMP

Responsável pela Disciplina de Nefrologia


O termo vasculite sistêmica compreende uma série de condições caracterizadas por inflamação e necrose de vasos sangüíneos (arteriais e ou venosos), sendo portanto, originariamente, uma definição histológica. Curiosamente o termo vasculite tem sido aplicado à denominação de um grupo de doenças que, na dependência do tamanho e local dos vasos acometidos implica em uma expressão clínica polimorfa. Para o diagnóstico desse tipo de doenças é necessário, em primeiro lugar, o reconhecimento da doença vasculite como possível diagnóstico diferencial de um quadro sistêmico, a seguir a avaliação dos órgãos envolvidos e então o diagnóstico etiológico da vasculite.

A classificação dessas doenças tem sido motivo de várias controvérsias, não havendo, ainda, consenso aceito universalmente. As vasculites podem ser classificadas quanto à etiologia e quanto ao tamanho dos vasos acometidos
(Tabela 1 e 2).


 Tabela 1. Classificação das Vasculites quanto à Etiologia
(Churg J , 1991)
  • I.  Vasculites Idiopáticas

  Poliarterite Nodosa  Macroscópica           Microscópica  Granulomatose de Wegener
  Síndrome de Churg- Strauss
  Vasculites Pulmonares Isoladas
  Vasculite primária de Sistema Nervoso Central
  Arterite de Células Gigantes
  Arterite de Takayasu
  Vasculite Idiopática Granulomatosa
  Vasculite de pequenos vasos
  Púrpura de Henoch- Scholein
  Doença de Behçet
  Tromboangeite Obliterante ( Doença de Buerger)

  • II.  Vasculites Secundárias

  Relacionadas a infecções
  Doença de Kawasaki
  Vasculite de doenças auto imunes
  Vasculite da crioglobulinemia
  Vasculite da sarcoidose
  Vasculite reacional a drogas
  Vasculite em droga adição
  Vasculite neoplásica
  Vasculite de radiação
  Vasculite do transplante            Vasculite da hipertensão


 Tabela 2. Classificação de Vasculites Sistêmicas de acordo com o tamanho dos vasos acometidos
(Consenso de Chapel  Hill- Arthritis Rheum 37: 187-192,1994 – Jennette JC, Falk RJ)
  •   I . Vasculites de Grandes Vasos
    •   Arterite Temporal de Células Gigantes
    •   Arterite de Takayasu
  •   II. Vasculites de Médios Vasos
    •   Poliarterite Nodosa Macroscópica ( PAN Clássica)
    •   Doença de Kawasaki
  •   III. Vasculites de Pequenos Vasos
    •   Granulomatose de Wegener
    •   Síndrome de Churg- Strauss
    •   Poliarterite Nodosa Microscópica
    •   Púrpura de Henoch- Scholein
    •   Crioglobulinemia essencial

Como pode ser observado a classificação de acordo com o tamanho de vasos acometidos compreende apenas as chamadas Vasculites Sistêmicas Idiopáticas.

As vasculites podem acometer os rins de várias formas, seja por processo isquêmico secundário ao acometimento da vasculatura renal (geralmente vasculites de médios vasos), seja pelo acometimento direto do parenquima renal, principalmente do capilar glomerular. De especial interesse , em relação ao acometimento do parenquima renal, são as vasculites de pequenos vasos, cuja expressão clínico- laboratorial pode envolver a presença de hematúria com ou sem insuficiência renal aguda. Nesse contingente de doenças devemos nos ater ao fato de que também as vasculites secundárias podem acometer pequenos vasos e ocasionar a mesma sintomatologia renal que as vasculites idiopáticas. Assim, as vasculites de pequenos vasos envolvem um processo inflamatório necrotizante
(capilares, vênulas e,ou arteríolas). Podem acometer um órgão isoladamente ou vários órgãos e podem envolver a presença de depósitos teciduais de imunecomplexos (favorecendo o diagnóstico de vasculites secundárias) ou não apresentarem tais depósitos no tecido  (pauci- imunes).

As vasculites de pequenos vasos que acometem o rim o fazem, do ponto de vista anatômico através da expressão de glomerulonefrite necrotizante focal segmentar, geralmente com formação de crescentes, ou na forma de glomerulonefrite crescêntica ( mais de 70% dos glomérulos acometidos). A apresentação clínico – laboratorial dessas glomerulonefrites envolve hematúria ( geralmente de caráter glomerular, porém muitas vezes de tal intensidade que a hematúria pode não apresentar tal caráter) podendo ser macro ou microscópica, associada à presença ou não de insuficiência renal aguda e proteinúria glomerular.

Sendo o diagnóstico anatômico de glomerulonefrite necrotizante focal segmentar ou glomerulonefrite crescêntica um indicativo seguro de envolvimento de microvasculatura o diagnóstico etiológico das vasculites pode ser identificado através da imunofluorescência do tecido renal ( quadro 1.)


Quadro 1


Glomerulonefrite Necrotizante Focal Segmentar
(Glomerulonefrite Crescêntica)
__________________I_______________

                                        I                                                                     I
                            com depósitos à IF                                  sem depósitos à IF+
            ______________I_________                          _____________I_______________
           I                                                I                       I                                                         I
 linear                                         granular        acometimento sistêmico                    Idiopática
           I                                                I                       I
Goodpasture                        Secundárias            PAN microscópica
Anti MBG                                                                 Churg- Strauss
                                                                                       Wegener


IF – microscopia de imunofluorescência
Anti MBG – doença por anticorpo anti membrana basal glomerular


Assim sendo, as vasculites pauci – imunes de pequenos vasos com acometimento glomerular que apresentam envolvimento sistêmico compreendem a Poliarterite Nodosa Microscópica, a Granulomatose de Wegener e a doença de Churg- Strauss. Quando o envolvimento é exclusivamente renal a doença glomerular é definida como idiopática ( Glomerulonefrite necrotizante focal segmentar idiopática ou glomerulonefrite crescêntica).

As vasculites pauci – imunes de pequenos vasos constituem causa de insuficiência renal crônica terminal que varia de acordo com a série analisada, correspondendo a 0,4% das causas de Insuficiência Renal Crônica Terminal do registro americano
(URSDS – 1997 – analisando um  total de 305.876). A análise de 427 pacientes em diálise no HC da UNICAMP (Janeiro 1990 a Janeiro 1997) evidenciou 5 pacientes com insuficiência renal crônica secundária a vasculites pauci – imunes (1,1% das causas de IRCT).

Analisando o material disponível no Departamento de Anatomia Patológica do HC UNICAMP pudemos observar em 700 biópsias renais de rins nativos ( 533 delas de pacientes adultos), diagnosticadas à microscopia óptica (MO), microscopia de imunofluorescência (MIF) e microscopia eletrônica (ME), 30 casos que evidenciaram à MO o diagnóstico de GN Crescêntica (n=20) e GN Necrotizante Focal Segmentar (n=10), correspondendo a 4,2% das biópsias de rins nativos com evidência de glomerulopatia do serviço. Dos 30 casos, 13 ( 43,3%) apresentavam MIF negativa, sugerindo o diagnóstico anatômico de vasculite pauci – imune. Os 13 pacientes foram acompanhados na Disciplina de Nefrologia. Clinicamente 84,6% se apresentaram com Insuficiência Renal Aguda, 100% com hematúria e 92,4% com proteinúria não nefrótica, 46,1% eram do sexo feminino e 38,4% tinham menos de 50 anos.

O diagnóstico dessas doenças parece ser subestimado. Em análise do registro de óbitos ocorridos no HC UNICAMP ( de maio 1988 a dezembro de 1992) 4 em 4443 óbitos foram atribuídos a Vasculites Idiopáticas de pequenos vasos. Curiosamente, quando analisadas as necrópsias realizadas no mesmo período, pudemos observar 5 casos em 1825 ( 3 Granulomatose de Wegener e 2 PAN Microscópica).

Do ponto de vista de diagnóstico etiológico as vasculites pauci imunes de pequenos vasos, geralmente se acompanham de um marcador sorológico que sugere fortemente a possibilidade diagnóstica. Os anticorpos anti citoplasma de neutrófilos (ANCA)  são encontrados no soro da maioria dos pacientes com essas doenças. Inicialmente identificados por técnicas de imunofluorescência , 2 padrões morfológicos ( a semelhança de padrões de fatores anti nucleares) puderam ser identificados em neutrófilos. O ANCAc ( padrão citoplasmático) e o ANCAp
(padrão peri nuclear). Posteriormente puderam ser identificados os antígenos correspondentes. Atualmente utilizam-se técnicas envolvendo a pesquisa de antimieloperoxidase de neutrófilos ( anti MPO) e antiproteinase 3 (anti PR3)
(quadro 2).


Quadro 2. 


Anticorpos anti citoplasma de Neutrófilos ( ANCA)
( Jennette C)
 ANCAcANCAp
IF com PMN fixados em etanolcitoplasmáticoperinuclear
IF com PMN fixados em formalinacitoplasmáticocitoplasmático
ELISA com MPO e PR3anti PR3anti MPO

IF = técnica de imunofluorescência
PMN = Polimorfonucleares
ELISA =  técnica imunoenzimática


 A importância da identificação do antígeno envolvido ou do padrão de ANCA se deve a alta especificidade que o padrão citoplasmático ( PMN fixados em etanol) ou a presença de anti proteinase 3 apresenta para o diagnóstico de Granulomatose de Wegener.

O acometimento renal ( principalmente do capilar glomerular) geralmente envolve as seguintes vasculites de pequenos vasos : Poliarterite Nodosa ( ou Poliangeite) Microscópica, Granulomatose de Wegener, Doença de Churg Strauss, Púrpura de Henoch Schonlein, Vasculites associadas a processos infecciosos sistêmicos
(principalmente endocardite bacteriana), Doenças auto imunes (Lúpus Eritematoso Sistêmico, doença por anticorpo anti membrana basal glomerular),
Crioglobulimenia, Drogas, Hipertensão Arterial ( forma Maligna).

O tratamento depende do diagnóstico etiológico. As formas idiopáticas da doença são tratadas de acordo com o diagnóstico, o tipo de órgão envolvidos e, geralmente, incluem a manipulação de corticóides e imunossupressores
(principalmente ciclofosfamida) por longos períodos de tempo (até 1 ano). Uma abordagem mais direta da terapia exige uma análise individual de cada uma das doenças de acordo com prognóstico e resposta à medicação.


Bibliografia

Churg A, Churg J (eds) Systemic Vasculitides. New York , Igaku- Shoin 1991

Jennette JC, Falk RJ : The pathology of vasculitis involving the kidney Am J Kidney Dis.  24; 130, 1994

Jennette JC . Nomenclature of systemic vasculitides. Proposal of na international consensus conference. Arthritis Rheum 37, 187, 1994

Jennette JC, Falk RJ : Small Vessels Vasculitis New Engl J Med 337 (21) 1512 1997


Comentários sobre o artigo acima:

Dra. Almerinda, meu nome é Raelson Batista, sou estudante do último ano do curso de medicina eem SP, no HSPE-“FMO” daqui, e gostei muito do seu artigo, principalmente pelo fato deste ser bastante objetivo enfocando um assunto tão amplo. Gostaria de saber se a senhora conhece algum site na rede que contenha um trabalho onde haja um enfoque sobre locais de maior acometimento das vasculites citadas em seu artigo, pois sabemos que algumas têm predileção pelos rins, outras pelos pulmões etc..

Grato,
Raelson Batista


Resposta da Profa. Almerinda:

Raelson, obrigada pelo seu comentario. Na rede existe um site excelente sobre vasculites que voce pode acessar http://www.hdcn.com/symp/lund/jenn.htm
Na verdade, o artigo do prof. Jennette aborda as vasculites de pequenos vasos e nao enfoca diretamente,e de forma geral, os locais de maior acometimento das diversas vasculites.Mas acredito que voce gostará muito da palestra.

Maria Almerinda

Nota da Redação: Para acessar o site citado pela Dra. Almerinda é necessáio cadastramento prévio. É gratuito e para faze-lo, você deverá ir em http://www.hdcn.com/

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