Sebastião: Dr. Landman como surgiu a nefrologia na sua vida?
Dr. Landman: Como todos os nefrologistas que iniciaram a nefrologia, nós começamos pela cardiologia, quer dizer, eu fui um dos fundadores da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro e houve uma época em que a gente verificou que essa nova especialidade estava surgindo e resolvemos criar a Sociedade Brasileira de Nefrologia. Além disso, no início da minha vida profissional, eu me dediquei muito ao problema dos distúrbios hidro eletrolíticos, que era mais ou menos um assunto desconhecido entre os médicos da época. Formei em 45, então era um assunto muito novo naquela época, atraía muita gente e nós começamos a dar curso sobre equilíbrio salino, sobre potássio, sobre sódio e pouca gente conhecia o assunto. Daí surgiu interesse em desenvolver a nefrologia, além disso, eu acabava de chegar da Europa, onde tinha feito um estágio de três meses no Hospital Neker com Hamburger e tinha aprendido a diálise peritoneal que introduzi no Brasil. Foi uma época em que trabalhava no Servidores do Estado e lá, no Servidores do Estado, resolveu-se, no serviço de Clínica Médica, criar um setor de doenças do equilíbrio hidro salino e de doenças renais, e foi uma época também que nós trouxemos para o Brasil o Dr. Merril, que foi um dos pioneiros na nefrologia e inauguramos aqui no Rio o rim artificial, que era um rim enorme, do tamanho de uma bacia de lavar roupa e com tudo isso surgiu interesse da nefrologia e fundou-se então a Sociedade Brasileira de Nefrologia cujo primeiro presidente foi o Dr. José de Barros Magaldi e eu fui o primeiro vice-presidente, depois eu fui o presidente na segunda gestão e na primeira gestão, presidi o Congresso de Nefrologia do Rio de Janeiro, eu me lembro do Magaldi naquela época, me lembro do Israel Nusenzweig, não sei se ele ainda tá vivo, ou não…
Sebastião: Não sei.
Dr. Landman: De São Paulo, acho que ainda está, ainda está, não sei como é que ele anda…são poucos os quais eu me lembro, o tempo vai passando e o pessoal vai sumindo. O meu sucessor, por exemplo, foi o Caio Benjamim Dias, na realidade era mais clínico do que nefrologista.
“…Você, para saber se um médico francês era bom ou ruim, tinha que ver se ele era antigo interno dos hospitais de Paris…”
Sebastião: O senhor disse que formou em 47?
Dr. Landman: Me formei em 45 na Fluminense. Na Faculdade Fluminense de Medicina e um ano depois fiz concurso para o Servidores do Estado. Fiz concurso para o Servidores do Estado e lá criamos uma das primeiras unidades de doenças renais no Brasil. O Zé Augusto, José Augusto de Aguiar, fez a mesma coisa na Santa Casa e aí, em seguida, tivemos o rim artificial. Nesta época também introduzi a diálise peritoneal e viajei muito pelo Brasil para difundir esses programas. Fazia palestras abordando os problemas da diálise peritoneal, hemodiálise e distúrbios hidro eletrolíticos. Naquela época só se fazia hemodiálise e diálise peritoneal em doentes agudos, quer dizer, nós não tínhamos ainda a capacidade de fazer a diálise em doentes crônicos.
Sebastião: Nessas andanças do senhor pelo Brasil, como todo método novo, como foram as resistências a esse tipo de tratamento?
Dr. Landman: A gente fazia diálise só em casos agudos, porque não existia ainda a possibilidade de fazer a diálise em doenças crônicas e uma das causas mais freqüente era a transfusão incompatível, insuficiência renal por transfusão incompatível. Foi uma luta, uma das grandes lutas, que eu empreendi no Rio de Janeiro foi convencer os transfusionistas a fazer a prova cruzada e a usar aquele tubinho testemunha, junto com o frasco de sangue. Eles, os transfusionistas, faziam exame de sangue diretamente no sangue que ia ser transfundido, e com isso tinha um grupo bem grande de doente que fazia insuficiência renal não só por transfusão incompatível, mas por sangue infectado. Transfusionistas competentes, na época não faziam prova cruzada.
Sebastião: E a batalha para mudar o comportamento?
Dr. Landman: A batalha para convencimento acabou depois de alguns anos, ela acabou vencendo e as coisas se mudaram. Eu também participei do primeiro grupo que fez transplante renal. O primeiro transplante no Brasil ainda nos Servidores. O transplante foi feito pelo Dr. Pedro Abdala, que fez a parte vascular, pelo Alberto Gentile que fez a parte renal, a parte urológica, e por mim que fiz a parte clínica, mas naquela época tínhamos poucos recurso pra evitar rejeição renal. E esse transplante foi feito, o doente chegou a urinar, etc. mas depois rejeitou. Esse foi o primeiro, primeiro transplante, não só renal, mas o primeiro transplante de órgão feito no Brasil.
Sebastião: Nós vamos voltar a essa história, mas antes um pouquinho, queria, saber o que levou o senhor a fazer Medicina. Como é que é essa história?
Dr. Landman: Você sabe que eu não sei! A gente não sabe porque que se mete em Medicina… me formei em 45! Eu me formei em 45, em 47 é que eu fiz concurso para o Servidores do Estado, e lá entrei no Serviço de Clínica Médica e ali é que eu criei o núcleo, o núcleo básico da parte nefrológica. Dez anos depois em 57, fiz concurso para a cátedra de clínica médicada da Faculdade de Ciências Médicas com tese sobre insuficiencia renal aguda, e fui aprovado em primeiro lugar.
Sebastião: O senhor formou com quantos anos?
Dr. Landman: Eu formei em…deixa ver…, nasci em 20…formei em 45: 25 anos!
Sebastião: Vinte e cinco anos.(confirmando)
Dr. Landman: É porque eu vim aqui para o Brasil com 9 anos.
Sebastião: O senhor é nascido onde?
Dr. Landman: Nascido na România, eu vim aqui para o Brasil com 9 anos de idade.
Sebastião: Em que cidade?
Dr. Landman: Ah, não sei…acho que é Cernovic…eu não me lembro bem não (rindo). Mas, eu vim com 9 anos e aí, isso atrasou um pouco. Formei com 25, formei em 45 e aí em 57 eu fiz concurso pra cátedra e aí no Pedro Ernesto é que eu desenvolvi mesmo o problema do transplante, o problema da diálise, o problema da diálise peritoneal e daí então pouco, como você pode observar, a não ser a diálise em doentes crônicos pouco se avançou nas doenças renais. O combate ao problema da rejeição se avançou um pouquinho, mas o número de transplantes feitos é muito pequeno. Não sei se aqui fazem transplantes em diabéticos ou se fazem o transplante simultâneo de pâncreas.
Sérgio: Está parado,
Dr. Landman: Está parado
Sérgio: É. Agora com a lista única parece que esfriou um pouco.
Sebastião: E o senhor tem irmãos, professor?
Dr. Landman: Não, eu só tenho uma irmã
Sebastião: E ficou na România?
Dr. Landman: Não, nós viemos todos para cá. Eu tenho uma irmã que é farmacêutica. Foi farmacêutica no Servidores do Estado durante muito tempo. Era ela que fazia as soluções para o rim artificial. Naquela época não tinha nada, não tinha nada pronto não! A própria membrana de diálise, que hoje já vem compactada, a gente enrolava no cilindro. Tinha um cilindro em que a gente enrolava a membrana para fazer a diálise e aquele cilindro rodava dentro de uma solução e os sais vinham da farmácia. O negócio era trabalhoso pra chuchu.
Sebastião: Uma diálise durava quanto tempo?
Dr. Landman: Seis horas. Seis horas de diálise, porque o preparo levava duas, três horas… as vezes a membrana furava e você tinha que fazer tudo de novo. Além disso, você tinha que encher a membrana de sangue antes de fazer a hemodiálise, mas o negócio era muito complicado.
Sebastião: Com sangue do próprio paciente ou não?
Dr. Landman: Não. Você enchia com sangue estocado. O sangue que era do mesmo tipo do paciente.