Jayme Landmann
Sebastião: Quer dizer, a instituição está abaixo das pessoas.
Dr. Landman: Ihh, tá muito! Você não sabe as lutas que a gente teve, por exemplo, com nosso hospital quando eu fui diretor. Foi o segundo hospital que assinou convênio com o INAMPS, com o INPS
Sebastião: Convênio global?
Dr. Landman: É. O primeiro hospital a assinar este convênio foi o de Curitiba no Paraná, isto porque o então presidente do INPS era de lá, era do Paraná: o Reynold Stefanio. Mas o segundo foi o nosso, e eu tinha lutas horríveis, para obter credenciamento do hospital em certas clínicas, por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, eu queria internar doentes obstétricos e o diretor do INPS naquele época disse assim: “eu não posso desviar os doentes obstétricos dos hospitais particulares conveniados para o seu hospital, porque eles investiram dinheiro nisso!” Como você vê era uma falta de compreensão muito grande.
Sérgio: Um adendo, na história que o senhor contou. Na época em que o Hospital Universitário foi passado para o INPS eu era aluno da faculdade, e isto foi uma mudança radical na estrutura do hospital, foi um marco histórico dentro do HU, porque até então ele era um hospital restrito, fechado, tinha pouca ligação com a sociedade e realmente quando ele passou para o INPS foi uma mudança que perdura até hoje. Isso é realmente um marco histórico.
Dr. Landman: O que você tinha antigamente era o seguinte: os Hospitais Universitários, não eram hospitais no sentido de hoje. Naquela época o Hospital era um conglomerado de pequenas clínicas autônomas que cada professor tinha. Cada professor tinha o seu laboratório, tinha o seu raio x, quer dizer, não era um hospital unificado. No Pedro Ernesto, quando assumimos, conseguimos unificar o hospital e fazer daquilo um hospital unificado em que o professor era apenas uma das partes do hospital, fazia parte, mas não era nenhum dono do serviço. Quando assumimos o hospital tinha um professor fulano de tal que era dono da neurocirurgia e ele tinha uma sala especial no centro cirúrgico que ficava fechada quando ele não vinha. Os outros professores, seguindo o mesmo exemplo, tinham cada um o seu serviço, era um Hospital de serviço autônomos, como os que existem hoje, eu tenho impressão, na Santa Casa e em grande parte dos Hospitais públicos brasileiros. E aí foi a unificação do hospital junto com o convênio INPS que ajudou os muitos doentes crônicos, que se internavam ali e eram custeados pelo INPS. Foi um avanço muito grande, porque passou-se a ter doentes de todos os tipos, doentes que correspondiam a patologias existente no Brasil e os alunos começaram a vivenciar mesmo. A única coisa que nós não conseguimos fazer aqui, e que nenhum hospital conseguiu foi ter um sistema americano de gerenciamento, em que o hospital, ao mesmo tempo que ele é público, ele é privado. Isso é que seria a grande saída, porque lá nos Estados Unidos, os doentes privados e os doentes públicos internam no mesmo hospital. O doente privado faz pressão para o hospital ser melhor, porque é aquele mesmo hospital que ele vai ter que recorrer e, lá nos Estados Unidos, o doente privado dá muito dinheiro para o hospital. Eu trabalhei um tempinho no New York Hospital que era da Cornell e o reitor se gabava da existência de uma sala chamada de sala azul. Mas o que é que tem essa sala azul de especial? Ele disse: ” nessa sala azul eu recebo o doente rico que se interna aqui no hospital. Então quando ele tem alta eu não mando funcionério cobrar dele não. Eu é que vou bater o papo. O doente rico, em vez de pagar a conta só do hospital, ele faz doações grandes, né? Com isso o hospital tem um suplemento de verbas enorme”. O Mass lá de Boston, que é da Harvard, publica anualmente um livro de doações ou de doadores que é maior do que a lista telefônica aqui do Rio. São milhares de doadores e isso sustenta o hospital, dá um nível de maior independência. Aqui no Brasil não, aqui o hospital depende do governo.
Sebastião: O senhor acredita hoje que, por não existir este esquema, é possível um médico atender única e exclusivamente dentro de um Hospital Universitário ou um hospital público? A falta deste esquema induz o professor e médico à dupla militância, entre o público e o privado, trabalhando em áreas físicas diferentes e interesses distintos, isso é conflitante ou não? Como o senhor vê isto?
Dr. Landman: Eu acho que hoje em dia está ficando generalizada, a dupla militância mesmo, porque ou o indivíduo trabalha por salário ou ele trabalha por convênio. É uma dupla militância para baixo. Tem muito pouca gente que usufrui algum benefício de doente particular, inclusive porque a população também está ficando pobre. Você nota nos últimos anos um esvaziamento grande da clínica particular.
“…Você vê uma faculdade particular: para ela dar lucro, precisa ter cada vez mais alunos…”
Sebastião: Professor, o senhor está sabendo que têm alguns serviços de diálise, que não conseguindo se manter e adequar às novas leis, progredir naturalmente e muito menos poder ter condições de comprar as últimas tecnologias, estão vendendo os mesmos para as multinacionais, passando adiante por absoluto cansaço e desesperança…. a Baxter…por exemplo, essas grandes multinacionais estão praticamente comprando os serviços brasileiros, como é que o senhor vê isso?
Dr. Landman: Nos Estados Unidos você tem, hoje, firmas donas de serviços que abrangem parece que 25% dos doentes em diálise. Uma determinada firma, por exemplo, fabrica o sal, fabrica os equipamentos e contrata os médicos. Aqui vai ficar a mesma coisa. Nós caminhamos para isso, para o monopólio.
Sebastião: É que o senhor acha?
Dr. Landman: Eu não sei…. Eu acho que é tudo parte desse processo de exploração do médico. Nos Estados Unidos, os médicos também estão sentindo a exploração mas eles são capazes de reagir, porque as associações médicas são fortes. O seguro médico, médico mesmo, quer dizer, o seguro que não é hospitalar mas o seguro que é por assistência médica é dirigido em grande parte pela associação médica e as associações médicas de lá limitam o número de médicos que se formam. Você hoje, nos Estados Unidos, tem estados até que não admitem novos cirurgiões durante um ano, dois, dependendo da quantidade que eles têm atualmente. Aqui não, aqui é ilimitado. Agora mesmo estão criando novas faculdades e, hoje em dia, tem um médico no Brasil para 600 ou 700 habitantes, então vai inflacionar. Depois tem muito médico mal formado, entre nós, não é?
Sebastião: Por que são mal formados?
Dr. Landman: É porque as faculdades não selecionam bem e não se interessam por ter um certo padrão de ensino. Você vê uma faculdade particular: para ela dar lucro, precisa ter cada vez mais alunos. Então as faculdades oficiais, que ainda são as melhores no Brasil, tem menos alunos por turma do que as faculdades privadas e as faculdades privadas não tem nem estrutura para dar o ensino adequado. Tem professores de fim de semana.
Sebastião: De uns tempos pra cá, começa-se a criticar o ensino tradicional da medicina. Aquele de professor chegar na sala de aula e ficar no giz e no discurso.
Dr. Landman: Aquilo já acabou, acabou.
Sebastião: Mas os grandes médicos que nós temos, inclusive o senhor, todos eles foram formados neste esquema.
Dr. Landman: Não sei… Não sei. Você formava um pessoal melhor e ele trabalhava bem. Por exemplo, eu quando estava no segundo ano de medicina, comecei a fazer laboratório. A partir do terceiro ano de medicina trabalhava na enfermaria. Trabalhava no hospital, dava plantão, quer dizer, você aprendia trabalhando e a partir da formatura eu trabalhei nos Servidores, onde a gente foi aprendendo a tecnologia. Agora isso aconteceu em outros serviços também e te digo mais, por exemplo, na parte de cirurgia tinham médicos que pagavam cursos de cirurgia para se formarem e o curso de cirurgia incluía um certo número de cirurgias obrigatórias… então não era assim muito teórico, não. Agora onde o ensino é só teórico o nível de medicina é muito baixo. O nível de Medicina na França foi muito baixo durante anos, só agora que melhorou. Eles tinham turmas enormes que não sabiam ou que nunca usaram um aparelho de pressão arterial e formavam assim mesmo. Você para saber se um médico francês era bom ou ruim, tinha que ver se ele era antigo interno dos hospitais de Paris. Aí você podia ter certeza que ele tinha se formado com conhecimento hospitalar. Não é assim não. Nas faculdades oficiais até que você tem turmas boas, quer dizer, você tem alguns estudantes, uma certa percentagem que são bem interessados e esse pessoal em geral se forma bem, agora depois quando cai na vida real é que ele tem que lutar pra parte econômica, para se sustentar.
Sebastião: Pulando um pouquinho do tema. O senhor escreveu vários livros?
Dr. Landman: Escrevi.
Sebastião:…e um desses livros foi considerado um best-seller dentro dos padrões brasileiros de vendagem de livros?
Dr. Landman: Um deles. O maior best-seller foi aquele Evitando a Saúde e Promovendo a Doença em que eu mostrei o problema das multinacionais e do pessoal que estava interessado em promover a doença para ganhar mais dinheiro e todas essas falhas agora existentes no serviço oficial de super faturamento… tudo isso está lá registrado no livro. Isso em 1980 e o livro teve uma saída muito grande porque o programa Fantástico da televisão fez uma matéria sobre o livro.
Sebastião: O Fantástico da Globo?
Dr. Landman: Da Globo. Fez uma programação sobre o livro em que eu mostrei o desperdício enorme dos exames de alta tecnologia e dos pequenos exames sem muita tecnologia, dos exames de laboratório e dos exames de raio x e até hoje você tem isso. A quantidade de exames que os médicos pedem, pelo menos é o dobro do que seria necessário, porque o sujeito tem um convênio, o convênio paga ou o SUS paga, e isso acaba por não onerar o doente diretamente, então, você inclusive para ganhar tempo e não examinar o doente você pede o exame, aí um mês depois ele vai pra outro médico porque não é o mesmo que o atende e o médico pede de novo os exames, então você tem um desperdício de gasto que é enorme.
Sebastião: Pois é, e nesse livro o senhor abordou exatamente esta questão?
Dr. Landman: A multinacional promovendo através de convênios essa possibilidade, promovendo o gasto, promovendo a doença. São dois livros principais: um é esse: Evitando a Saúde e Promovendo a Doença que teve 100 mil ou mais exemplares vendidos de saída. Cem mil livros….e que está na quarta edição, e que ainda está vendendo muito. O outro livro é: Medicina não é Saúde, em que eu mostro os principais fatores de doenças que não são relacionados com a Medicina. Depois tem um outro livro chamado a Outra Face da Medicina em que eu mostro o médico como agente social de dominação do homem e tem um outro livro chamado a Ética Médica sem Máscara porque em virtude daquele primeiro livro eu fui processado pelo Conselho Regional de Medicina.
Sebastião: Foi processado por que?
Dr. Landman: É fui processado porque acharam que eu estava denegrindo a classe média. ( pasmo geral!!! )
Sebastião: Obviamente este processo não virou nada..
Dr. Landman: Não virou nada mas….obviamente me deu muito trabalho porque fui condenado a uma censura sigilosa pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio. Assim que recebi a censura sigilosa eu a tornei pública e recorri ao Conselho Federal e o Conselho Federal me absolveu completamente, né? Cá entre nós, nos conselhos era uma briga entre PC do B e o PT, então não sei….
Sebastião: E o senhor entrou no meio? Professor, mas então houve essa censura?
Dr. Landman: Houve essa censura. No meu livro A Ética Médica sem Máscara eu exponho todo o processo, teve até um que quis me condenar porque achou que o livro era pouco marxista. É verdade…são coisas assim ridículas.
Sebastião: Na época quem era o presidente do CRM local?
Dr. Landman: Não sei. Acho que era um tal de Crescêncio Antunes, não era o Crescêncio?
Sérgio: Não sei. Tenho que rever isso.
Sebastião: Isso foi quando professor?
Dr. Landman: Ah, isso foi na época após o término da ditadura militar
Sérgio: 79, 80, 81.
Dr. Landman: É, foi por aí. Foi quando foi a virada… porque o Conselho Federal de Medicina foi fechado uma certa época, então não podia julgar e naquela época o Conselho da Bahia e o Conselho de Santa Catarina também fizeram uma representação contra o meu livro.
Sebastião: Conselho de Santa Catarina também?
Dr. Landman: É porque eram os dois Conselhos mais reacionários que existiam no Brasil e junto com o Conselho Regional daqui do Rio de Janeiro. O CRM-RJ tinha um pinimba contra mim por causa de brigas que a gente teve quando eu era diretor do hospital, porque quando eu fui diretor do hospital houve muita greve de estudante, greve de médico.
Sebastião: Como é que o senhor tratava essas greves quando o senhor era diretor?
Dr. Landman: Eu tratava muito mal. (risos)
Sebastião: Mal? Como assim? Suspensão?
Dr. Landman: Não. Quando cheguei, houve uma greve de residentes e aí, depois de um certo tempo os médicos do hospital ficaram com raiva dos residentes porque havendo uma greve dos residentes sobrou muito serviço pra eles, então ficaram contra. E eu fiz uma reunião com os médicos para saber quais seriam as atitudes que a gente ia tomar e aí veio o representante do sindicato dos médicos do Conselho Regional e eu disse: “não, essa reunião é nossa, é só dos médicos, vocês não podem participar” e aí eles ficaram com raiva porque queriam politizar o movimento, mas eu acabei com a greve porque disse: “bom, quem não quiser trabalhar vai embora, então vocês assinam aí um papel”
“…era um médico da Aeronáutica que tinha feito curso nos Estados Unidos de repressão…”
Sebastião: Alguém assinou?
Dr. Landman: Todo mundo.
Sebastião: E daí, como é que ficou?
Dr. Landman: Aí acabou a greve…