Jayme Landman

Sebastião: Quer dizer, ninguém quis ir embora.

Dr. Landman: Não. Aquelas greves eram políticas porque o nosso hospital foi o primeiro hospital a pagar interno. Não sei se você lembra disso. ( dirigindo se ao Sérgio) O primeiro hospital a pagar interno foi o nosso e era um dos hospitais que mais bem pagava aos residentes. Não havia motivo para greves não.

Sebastião: O senhor lembra quanto? Quanto um residente recebia?

Dr. Landman: Não, não me lembro quanto é que ganhava um residente. Você lembra, não? ( diz dirigindo se ao Sérgio )

Sérgio: Eu não me lembro quanto era, mas dava pra viver. Era mais ou menos isso. Não era nada irrisório na época.

Sebastião: E essa verba vinha de onde? Pra pagar interno?

Dr. Landman: Essa verba vinha do Estado

Sebastião: Puxa!!!

Dr. Landman: Era uma verba específica

Sebastião: Então vem piorando demais de lá pra cá. Porque isso não existe mais

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Dr. Landman: Acho que ainda vem do Estado

Sebastião: Interno recebe?

Dr. Landman: Recebe.

Sebastião: Sextoanista? Internato?

Dr. Landman: Recebe.

Sebastião: É uma bolsa, né? Tem muitos estudantes que acessam a página da Internet. Isto vai dar o que falar!

Dr. Landman: É, e foi eu que criei isso. Foi muita coisa gozada, por exemplo, os estudantes fizeram um movimento pois queriam comer de graça.

Sebastião: Restaurante universitário?

Dr. Landman: No restaurante lá do hospital. E, eu disse: tá bom, vou pagar de graça a quem precisa, então apanhei o nome deles todos e fui ver onde moravam. Tinha que ver. Em primeiro lugar, a maioria dos estudantes era de classe média para cima porque os melhores estudanrtes, os que entram na Faculdade, são os que tem capacidade financeira de estudar. Em segundo lugar eu notava assim, o sujeito morava num edifício de um apartamento por andar na zona sul, digo esse não precisa. Acabou.

Sebastião: Sobrou alguem?

Dr. Landman: Sobrou. Sobraram uns 30%. Eu pagava para esses 30 agora para os outros nada.

Sebastião: Isto foi em que ano?

Dr. Landman: Que ano? Eu acho que durante a Ditadura.

Sebastião: Durante a Ditadura? Como é que era essa relação do diretor de um hospital publico e a Ditadura?

Dr. Landman: Era difícil. Era difícil. Era difícil. Era muito difícil porque eles ficavam em cima da gente querendo nomes de estudantes, residências. Tem muito estudante que eu tive que mandar para o México.

Sebastião: Por que?

Dr. Landman: Porque eles estavam sendo perseguidos aqui e eu consegui no México que eles os aceitassem, aceitassem os anos que eles tinham passado na nossa faculdade e se formassem lá. E era difícil mesmo. Eu as vezes avisava o estudante: “vê se você se recolhe um pouco porque o pessoal está atrás” Eu tive que responder a inquéritos, fui chamado para o inquérito dirigido no Hospital da Aeronáutica. Até foi gozado pois era um médico da Aeronáutica que tinha feito curso nos Estados Unidos de repressão ou de intriga e ele me chamava todo dia para me interrogar.

Sebastião: Médico?

Dr. Landman: Médico.

Sebastião: Com “Curso de Especialista” em repressão!!!!!????

Dr. Landman: Pois é. E todo dia eu era chamado ao Hospital da Aeronáutica para depor

Sebastião: E esse médico existe ainda?

Dr. Landman: Não sei. Mas foi um negócio muito gozado. Eu vou te contar, porque: todo dia eu ia lá, chegava as dez horas e ele me fazia uma pergunta e me mandava ir embora. Mas para cada pergunta eu tinha que esperar 2 horas em pé pra ele fazer a pergunta. Era para me chatear mesmo. Passaram-se os meses e ele me enchendo… São dois episódios curiosos. Vou te contar o outro também: certa ocasião, uma doente que era mulher de um Brigadeiro foi operada no hospital da Aeronáutica, no serviço desse médico lá. Esta paciente fez uma insuficiência renal aguda depois da cirurgia e aí a família me chamou para cuidar da mulher e era ele, o mesmo médico, é que cuidava dela. Então eu o chamava todo dia, e desculpe o termo, mas esculhambava com ele. As vezes ele não fazia nada disso, mas eu dizia: “você faz tudo errado, está matando a mulher!” e a família ouvindo tudo. Depois a mulher ficou boa e eles me chamaram lá na Aeronáutica para fazer uma conferência sobre insuficiência renal (risos). O outro episódio foi com os alunos. Alguns alunos arriaram uma bandeira nacional na frente do hospital e eu fui depor na justiça pois me chamaram como testemunha de acusação dos alunos como diretor do hospital e aí o Promotor perguntou: “Dr. Landman o senhor se lembra do aluno?”, aí eu digo: “eu não me lembro”, aí ele disse: “o senhor se lembra que os alunos tais e tais fizeram isso?” Eu digo: “eu não me lembro”. Mas aí, de repente os advogados dos alunos começaram a me fazer a mesma pergunta. Diziam: “Dr. Landman o senhor se lembra do aluno fulano de tal, se ele fez baderna se ele fez coisa e tal?” eu digo: “eu não me lembro”, aí o outro insistia: “mas o senhor não se lembra mesmo?” Aí o promotor disse assim: “olha vocês não estão vendo que o professor Landman está com a memória fraca? Vocês estão querendo reviver a memória dele? Revitalizar?”. Foi gozadíssimo. Eles foram absolvidos. Mas deu muito trabalho. Muito trabalho.

Sérgio: Teve uma época que até morreu um aluno lá e deu muito trabalho

Dr. Landman: Luiz Paulo o nome dele

Sérgio: Eu ainda não era aluno da faculdade na época, mas houve dois episódios marcantes lá dentro. Primeiro foi a morte daquele rapaz no calabouço e a segunda foi a morte de um estudante, de um rapaz dentro da Faculdade de Ciências Médicas e a polícia tentou invadir e parece que jogaram bomba de gás lacrimogênio na pediatria que ficava em frente à rua e inclusive tem uma cena de um filme, documentário daquela época, onde aparece a polícia na frente do hospital tentando invadir. O senhor era o diretor naquela época, professor?

Dr. Landman: Olha o diretor na época era o Piquet Carneiro. Eu era o vice-diretor.

Sebastião: E como é que foi a confusão?

Dr. Landman: A confusão era que você ficava entre dois fogos. Quer dizer, você tinha que tapear os militares, para defender o estudante. Mas as vezes você não conseguia defender e você não podia enfrentar. Quer dizer, não havia condição nenhuma de enfrentar o esquema que eles montaram.

Sebastião: O senhor acha que nessa época, dentro do hospital, com o senhor diretor, houve algum caso de injustiça ou alguma coisa que o senhor tenha presenciado e que não teve como interceder?

Dr. Landman: Não. Não. Eu acho que o que havia era necessidade de defender, defender as pessoas mas tinha que defender com subterfúgios ou avisando ou tapeando ou… não houve nenhuma pressão para demitir as pessoas. Por exemplo, tive que, por pressão externa suspender algumas pessoas, mas eu suspendia e depois então anistiava em seguida.

Sebastião: O pior realmente foi com o Médici, o senhor pegou só o Médici ou não?

Dr. Landman: Não, foi toda da revolução

Sebastião: Desde o Castelo Branco?

Dr. Landman: Desde o Castelo Branco até a junta. Só aliviou um pouco com Costa e Silva e teve outra época com o Figueiredo.

Sebastião: Além da direção de hospital público, o senhor foi chamado para ocupar algum cargo?

Dr. Landman: Não, eu fui diretor do Centro Biomédico da Universidade, fazia parte do Conselho Universitário da Universidade durante muitos anos.

Sebastião: Sempre dentro da Universidade?

Dr. Landman: Sempre dentro da Universidade.

 

WB01372_.gif (406 bytes)“…eu descobri que a bíblia é um livro cheio de sacanagem…”WB01372_.gif (406 bytes)

 

Sérgio: Eu dei uma lida rápida nas entrevistas do Prof. Emil Sabaga e do Prof. Osvaldo Ramos e acho que todos tem algumas coisas em comum. Todos tinham fama de serem bravos, inclusive o senhor. Lembro que fui aluno na faculdade quando o senhor era diretor, fui residente do hospital na época que era diretor, fui professor na época que era Chefe do Departamento. E eu acho que as pessoas, os alunos de um modo geral, só compreenderam os três depois de algum tempo. Posto isto, tenho duas perguntas: como é a sua relação atual com os antigos alunos que o senhor brigava naquela época e a segunda: como o senhor vê o Diretor do Hospital sendo eleito por voto direto do corpo clínico. É possível ser bravo tendo sido eleito?

Dr. Landman: Não. Olha, eu acho que uma das coisas que mais me dá prazer é ver antigos alunos encontrando e agradecendo até o rigor com que eu os tratava, porque a minha clínica era uma clínica dura. Lá na Faculdade existiam várias clínicas médicas e a minha clínica era procurada eu acho que pelos alunos melhores. O pessoal que não estudava muito temia, porque eu reprovava mesmo e eu acho que o aluno que não estuda deve ser reprovado, de modo que não sei se é fingido ou não mas todos os ex-alunos que eu encontro me fazem festa, as vezes reclamam um pouco do rigor dando indiretas, mas também mostram que estão satisfeitos porque afinal de contas tiveram uma base, melhor. A segunda pergunta tua é?

 

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